
A Estética do Câncer
Todos os dias, no sol, cerca de 700 bilhões de toneladas de hidrogênio são fundidas para a formação de hélio, processo este que gera uma quantidade colossal de energia, que emana daquela estrela para o espaço, e também para os planetas que a orbitam, como a Terra. Nosso planeta recebe, assim, uma parte dela, 10% na forma de radiação ultravioleta, 40% na forma de luz e 50% sob a forma de radiação infravermelha, sendo que a primeira é a responsável por importantes efeitos fotoquímicos e fotobiológicos que afetam a vida de cada habitante da Terra.
A luz solar é importantíssima para as plantas, que a usam no mecanismo da fotossíntese, que fixa gás carbônico do ar na celulose, e pouco efeito tem sobre os seres humanos, além de queimaduras suaves por exposição extrema. A radiação infravermelha é muito absorvida pelo vapor de água e gás carbônico da atmosfera, sendo responsável pelo chamado efeito estufa. A mais danosa, no entanto, é a radiação ultravioleta (R-UV), hoje responsabilizada por uma série de efeitos nocivos à saúde humana, por atingir o maior órgão do corpo humano, a pele. Em sua sabedoria, a evolução cobriu de couros grossos, penas e pelos os seres que vivem expostos ao sol, e o homem, quando adquiriu a postura ereta, há 4 milhões de anos, manteve os pelos na cabeça para evitar o aquecimento do cérebro.
Os perigos causados pela radiação UV na pele
Os efeitos são vários, e graves, e são divididos em imediatos e tardios. Entre os imediatos citam-se o eritema, ou queimadura, que em casos mais severos pode causar bolhas. A insolação, ou a elevação rápida da temperatura da pele, que pode ser fatal, por danificar vários órgãos do corpo, a fotoimunossupressão, ou dano à capacidade das células de responder a infecções, também são apontadas pelos cientistas como efeitos da exposição exagerada ao sol. Os efeitos mais preocupantes, no entanto, são os tardios, que não aparecem senão depois da pele ter sida atingida continuadamente pela radiação solar ultravioleta, R-UV, e são o fotoenvelhecimento e o câncer cutâneo.
O fotoenvelhecimento combina o envelhecimento normal da pele aos danos causados pela R-UV, causando espessamento da pele, dilatação de vasos sanguíneos e o aparecimento de lesões pigmentadas. O câncer cutâneo, no entanto, é o efeito mais letal da radiação R-UV, por ser cumulativo, isto é, surge depois de anos em estado latente, em geral ocorrendo em pessoas mais idosas e que se expõem assiduamente ao sol, como trabalhadores rurais, mas que pode atingir qualquer cidadão que se exponha de maneira desprotegida ao sol direto. Esta doença, que está se tornando uma questão de saúde pública no Brasil, pode ser do tipo não-melanoma e melanoma.
O primeiro tipo é em geral tratável e curável, principalmente se descoberto em seu início, mas o segundo tipo é de difícil tratamento e de alto índice de letalidade, estando associado à exposição solar aguda e intensa. A incidência maior ou menor de R-UV sobre as diversas regiões da Terra depende de vários fatores, como a hora do dia, a latitude do local (a distância, em graus, do Equador), poluição do ar, nuvens, camada de ozônio, a altitude, e outros de menor importância.
A incidência dessa radiação é maior em lugares com menor latitude
Na maioria das cidades brasileiras, a R-UV é baixa até cerca de 9 da manhã, atingindo seu ápice por volta do meio-dia, e retornando a níveis toleráveis por volta das 15 horas. Em latitudes baixas, como Macapá, por onde passa o Equador, e que tem portanto latitude 0, a incidência é bem maior do que Porto Alegre, com latitude de 30 graus. Cidades com altitude maior, como Belo Horizonte, têm maior incidência do que o Rio, ao nível do mar. Lugares onde é normal a formação de brumas naturais ou de poluição, como S. Paulo, têm menor incidência de R-UV.
Os efeitos sobre as pessoas, delineados acima, também dependem do fototipo, ou seja, da reação de cada pessoa aos efeitos do sol. Alguns sempre se queimam na praia, e nunca se bronzeiam, outros reagem da maneira contrária, raramente se queimam e se bronzeiam, mas os efeitos em geral estão ligados à presença de melanina na pele, o pigmento negro que dá fotoproteção ao portador. O câncer de pele está se tornando epidêmico, e preocupa o Ministério da Saúde, que eventualmente promove campanhas na imprensa sugerindo aos cidadãos que usem protetores solares, usem chapéus e roupas adequadas na praia, e evitem esportes ao sol nos horários críticos.
Apesar dos esforços do MS, o número de casos passou de 134.170 em 2012 para quase 200.000 novos casos previstos para 2015. A nível municipal, Governador Valadares (MG) é um exemplo do descaso com as advertências das autoridades sanitárias. Apesar de famosa pelo calor e pela insolação inclemente devido aos longos períodos de seca, a cidade tem menos de 1 m² de verde por habitante, quando o mínimo recomendado pela ONU é de 12.
Praças gramadas, a obsessão municipal em nome de uma estética alienada, não são frequentadas por ninguém, não proporcionam sombra à população, que também não pode frequentá-las à noite por conta da insegurança reinante. Com exceção da Praça Serra Lima, onde sempre se encontram pessoas fugindo do calor ao redor, as outras seguem o fetiche gramíneo dos paisagistas municipais. Na Praça Itacolomi, na Ilha, 4 oitis foram cortados para expor a grama ao sol, e os frequentadores a bancos de cimento a 80 graus. O anel rodoviário continua pelado, sem vegetação, e a Moacir Paleta exibe sua aridez quente a quem chega na cidade.
Em vez da exuberância sem limites, das cores múltiplas e da vida em explosão da mata brasileira que encantou Pero Vaz de Caminha, temos o monótono verde da grama japonesa, as onipresentes palmeiras-imperiais do Caribe, arbustos raquíticos, pequenos arvoredos alquebrados e bancos de cimento a 80 graus de temperatura, tudo exposto ao sol que queima sem tréguas. É a estética do câncer…
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