Guimarães Rosa

A Natureza na obra de Guimarães Rosa

O Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, e poucos autores nacionais mostram maior orgulho disto do que J. Guimarães Rosa. Em toda sua obra, espaços se abrem para devaneios do autor perante a exuberância ilimitada da Natureza à sua volta, no caso a flora e a fauna do Cerrado brasileiro, onde se desdobram seus escritos.

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Além da paixão pelos seus habitantes, o autor mostra um profundo conhecimento da biodiversidade do Cerrado, citando em seus textos uma quantidade inacreditável de animais, pássaros, árvores e frutos típicos daquele bioma.

A diversidade deixa com inveja profissionais ligados às ciências agrárias. No reino vegetal são citadas as seguintes árvores e frutas: murici, pau-santo, embaúba, marmelinho, camboatã, braúna, açoita-cavalo, mulungu, jequitibá, pau-doce, pacari, maria-preta, tingui, gameleira, pau-d’alho, assa-peixe, tamboril, jacarandá, cambuí, paineira, cagaiteira, jenipapo, cumaru, gabiroba, etc.

A lista é espantosa, principalmente para brasileiros residentes em grandes cidades, acostumados a conviver com palmeiras-imperiais caribenhas em suas ruas, praças e jardins.

No reino animal, a lista é ainda mais rica, e os personagens de J. Guimarães Rosa convivem rotineiramente com capivaras, jararacas-verdes, sucuris, jacarés, jacaré-de-cabeça-azulada, tatus-bola, tatus-canastra, queixadas, cágados, onças, onças-pardas, iraras, tamanduás, jararacuçu, caxinguelês, lobos-guará. O elenco de pássaros é também enorme: aparecem socós, socós-boi, saracuras, nhambus, garças-rosa, urutaus, guaxos, frangos-d’agua, garrixas, juritis, pássaros-preto, bem-te-vis, sabiás-pardos, almas-de-gato, patos-bravos, irerês, marrecos de gravata, tiês-pitanga, suindaras, jacus, codornas, perdizes, patativos-borrageiros, pica-paus-de-cabeça-vermelha, gaturanos, tico-ticos, etc.

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Citações:

Abaixo a calorosa descrição de gaturano, conforme Manuelzão e Miguilim, pag. 44:

"O gaturano, tão podido miúdo, azulzinho no sol, tirintintim, com brilhamentos, mel de melhor-maquinazinha de ser de bem-cantar..."

Em Sagarana, pág. 282, o autor descreve em um parágrafo, quatro tipos de formigas, e na pág. 301, ele apresenta sete tipos de cogumelos.

No caudaloso rio de vida animal e vegetal trazido à baila pelo autor em sua obra, as palmeiras ocupam lugar de destaque, e entre elas a favorita do autor parece ser o buriti, citado mais de 30 vezes em “Grande Sertão: Veredas”. Eis algumas delas:

“...de repente chegamos numa baixada toda avistada, felizinha de aprazível, com uma lagoa muito correta, rodeada de buritizal dos mais altos: buriti-verde que afina e esveste, belimbeleza.”
(GRANDE SERTÃO: VEREDAS, pag. 42).

“Buritis, altas corbelhas. Aí os buritis iam em filas, coroados de embaralhados ângulos.”
(NOITES DO SERTÃO, pag. 112).

“O buriti-grande, um pau real, na campina, represando os azuis e verdes.”
(NOITES DO SERTÃO, pag. 117).

“O buriti ia para os céus, inventando um abismo.”
(NOITES DO SERTÃO, pag. 126).

“E o buritizal: renques, aleias, arruados de buritis que avançam pelo atoleiro, frondosos, flexuosos, abanando flabelos, espontando espiques; de todas as alturas e de todas as idades, famílias inteiras, muito unidas: buritis velhuscos, de palmas contorcionadas, buritis senhoras, e tocando ventarolas, buritis-meninos.”
(SAGARANA, pag. 278).

Apesar da profunda veneração de Guimarães Rosa pelos buritis, em Cordisburgo, MG, a prefeitura local houve por bem plantar várias palmeiras-imperiais caribenhas nas cercanias da casa onde o autor nasceu em 27 de junho de 1908. Trata-se de um exemplo típico do que o dramaturgo Nelson Rodrigues chamava de “narcisismo às avessas”, mal este que, segundo o mesmo autor, aflige boa parte dos brasileiros.

A buritirana (Mauritiella armata) é citada em “Grande Sertão: Veredas” à página 29:

“Com medo de mãe-cobra, se vê muito bicho retardar ponderado, paz de hora de poder água beber, esses escondidos atrás das touceiras de buritiranas”.

A macaúba (Acrocomia aculeata) aparece na mesma obra, na página 138:

“Em horas, andávamos pelos matos, vendo o fim do sol nas palmas dos tantos coqueiros macaúbas, e caçando, cortando palmito e tirando mel da abelha-de-poucas-flores, que arma sua cera cor-de-rosa”.

Em “Grande Sertão: Veredas”, pag. 57, o autor cita uma palmeira sem lhe dar o nome, conforme o texto abaixo:

“Era por esconso por uma palmeira - duma de nome que não sei, de certa altura, mas regrossa, e com cheias palmas, reviradas para cima e depois para baixo, até pousar no chão com as pontas. Todas as palmas tão lisas, tão juntas, fechavam um coberto, remedando choupã de índio”.

Pela descrição da planta, e sua ocorrência geográfica, trata-se da palmeira “Syagrus Flexuosa”, que tem vários nomes populares, como acumã, coqueiro do campo, etc.

Ainda em “Grande Sertão: Veredas”, o autor cita à página 74, a carnaúba (Copernicia prunifera), palmeira típica do Nordeste do Brasil, caracterizada pela cera que produz, usada na fabricação de velas, cosméticos, ceras para polimento de veículos, etc.

Em Sagarana, num pequeno verso na página 110, o autor introduz o coqueiro ouricuri, ou licuri (Syagrus coronata):

Eu vou ralando o coco
Ralando até aqui
Eu vou ralando o coco
Morena,
O coco, do Ouricuri.

Na mesma obra, à página 188, Guimarães Rosa apresenta a palmeira catolé:

“Ei, e Cassiano rastejou, recuando, e, dando três vezes o lanço, transpôs as abertas entre a criciúma e a guaxima, entre a guaxima e o rancho, e entre o rancho e o gordo coqueiro catolé”.

Pelo nome popular e a ocorrência geográfica, a palmácea descrita é a Attalea Compta, cuja ocorrência se estende por quase todo o Cerrado mineiro.

Mais na frente, no mesmo livro, à pagina 193, aparece mais uma espécie de palmeira:

“Indaiás nanicas, quase sem caules, abrindo as verdes palmas ...”

Pela ocorrência geográfica e a descrição da planta, trata-se de uma Attalea geraensis, conhecida como “indaiá-do-cerrado” ,muito comum naquele ambiente.

Finalmente em “Primeiras Estórias”, o conto “Darandina” descreve a confusão gerada em uma cidade não identificada quando um gatuno acuado por várias pessoas resolve subir numa palmeira-real da praça, instalando-se em seu topo por várias horas. Lá de cima, atira suas roupas e, após ameaçar se matar se fossem tirá-lo lá do alto, resolve se entregar e desce, nu, com os bombeiros, gritando ”viva a luta”, “viva a liberdade”. No chão, ovacionado, a multidão levou-o carregado, em festa, pela cidade.

Bibliografia:

Manuelzão e Miguilim. 11ª edição. Editora Nova Fronteira.

Primeiras Estórias. 1ª edição especial. Editora Nova Fronteira.

Sagarana. 71ª edição. Editora Nova Fronteira.

Grande Sertão: Veredas. 17ª edição. Editora Nova Fronteira.

Noites do Sertão. 6ª edição. Livraria José Olympio.