O passeio do Dr. Ali E. Nado
Meio Ambiente

O passeio do Dr. Ali E. Nado

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O Dr. Ali, como patriota exemplar, é um severo defensor do vernáculo português. Levantou, despertado pelos acordes da banda Silent Cry, pegou o smartphone e, cansado, dispensou a personal trainer. Consultou o Whatsapp, em seguida foi tomar seu breakfast com corn flakes e alguns ovos de sua geladeira frost free, e também fez um cheese egg. Ligou a tv, assistiu um remake de uma stand up comedy, deixou-a em stand by, ligou o tablet e viu alguns tweets, um talk show sem graça, calçou seus tênis índigo blue fashion e vestiu-se para sair. Perto de um shopping center, estacionou sua van flex e apanhou seu poodle toy Tony em um pet shop, cumprimentou a pet sitter, e foi à pizzaria delivery ao lado para encomendar o jantar, já que a sale prometia preços 20% off.

Dono de vários gadgets, o Dr. Ali ligou seu notebook para ver a programação de UFC, e de MMA, Mixed Martial Arts. Deu uma olhada no reality Big Brother, mas não gostou do excesso de merchandising, e deu um like no Instagram. Perto de um food truck, pediu um hot dog, mas não gostou do look da salsicha e trocou-o por um hambúrguer, que comeu com muito ketchup. De sobremesa comeu alguns home made cookies, que a sua personal trainer trouxera de um meeting sobre marketing

O patriotismo mentecapto do doutor Ali

Além de severo defensor do vernáculo nacional, o Dr. Ali como bom patriota, era um vigoroso defensor do tesouro natural do Brasil, o país com a maior riqueza biológica do planeta. Defensor da proteção à Mata Atlântica, o bioma mais rico em espécies vegetais conhecido, Ali percorreu a av. Hugo Chávez, quer dizer av. Juscelino Kubitschek, e se extasiou com as pujantes palmeiras-imperiais venezuelanas que ali cresciam. Arbustos de resedá, planta asiática, também se faziam presentes, compondo um agradável conjunto de plantas que o doutor amava. Tudo pela natureza brasileira, pensava ele.

Passando pela av. Colômbia, quer dizer av. Brasil, ele admirou as palmeiras-reais colombianas ali plantadas, e que cresciam com vigor. Aqui e ali, haviam também murtas europeias, flamboyants africanos e calistemons australianos. Logo depois, na praça do Banco do México, aliás, Banco do Brasil, o Dr. examinou com alegria os enormes iúcas mexicanos que povoavam o logradouro. Ao lado, A Empresa de Correios da África, isto é Correios de Brasil, exibia enormes arecas africanos em seus jardins, que, com os iúcas mexicanos e palmeiras caribenhas, deleitava os passantes com uma cópia do esplendor da mata atlântica no centro da cidade. 

Nas proximidades, algum paisagista emérito plantou uma fruta-pão do Tahiti, cujos frutos de mais de um quilo de peso vão certamente machucar algum passante desavisado, mas era tudo pela preservação do patrimônio natural do país.

A seguir o Dr. Ali desceu à Feira da Paz, e se deleitou com o enorme deserto verde que se estendia no barranco, da ponte da Ilha ao acesso calçado à praça do BB. Visto de cima, era tudo uma grama verde pálida, sem vida, envergonhada de sua insignificância, restos cinzentos das milhões de flores de vassourinhas que enfeitavam o lugar, mas que foram pulverizadas pelos zelosos funcionários do Semov. Afinal, pensou ele, quem precisa de beija-flores, borboletas, pica-paus, canarinhos, sabiás, e outros animais que frequentavam o local? 

No barranco via-se lixo esparramado pelo gramado, mas o doutor achou que era uma montagem de arte moderna, que talvez se chamasse “Terceiro mundo, tudo imundo”. Pouco abaixo fluía calmamente o Rio Nilo, aliás Rio Doce, onde nadavam tranquilos tilápias nilóticas e bagres africanos. A biodiversidade brasileira é realmente encantadora, pensou o Dr. Ali.

O patrimônio municipal forasteiro

Em seguida, o zeloso doutor se dirigiu ao bairro Lagoa Santa, onde o município poderia plantar espécies higrófilas brasileiras, como o açaí, o buriti, a pupunha, mas se satisfez com a catadupa de bugigangas exóticas   que se viam em suas margens. Sombreiros africanos, palmeiras malgaxes, até a pavorosa invasora leucena mexicana fora plantada ali. Para completar o desastre, na pequena pracinha onde costumam brincar crianças, cresciam cinco palmeiras caryotas africanas, conhecidas pela extrema urticância de seus coquinhos, que já haviam levado algumas delas ao hospital por terem tocado neles e depois coçado os olhos. A preservação da natureza nacional exige sacrifícios, pensou o doutor… 

Na lagoa, lugar ideal para os cidadãos conhecerem aves da fauna nacional, como biguás, garças, frangos-d’água, irerês, estavam alguns gansos, soltos ali por algumas pessoa que não se importava muito com a preservação da fauna nacional. A hecatombe se completava com as centenas de pombos, também chamados de ratos de asas, que sujavam as calçadas e expunham os passantes com as várias doenças que podem transmitir. 

Ao longe, a fumaça denunciava queimadas ao redor da cidade, mas o doutor não se incomodou com as cinzas que caíam como uma garoa negra. Ver milhares de formas de vida transformada em sais químicos inertes não o perturbava. Afinal, elas acabariam em alguns dias e eram “controladas”. 

De volta a seu lar, e querendo participar do movimento pela preservação da flora nacional, o colendo doutor plantou em sua calçada jamelões africanos, flamboyants malgaxes e leucenas mexicanas. Apesar de há anos os cientistas advertirem sobre os resultados tenebrosos da devastação da natureza, o doutor achava que a seca que atingia o país era uma trama da CIA, que, ciumenta do vertiginoso crescimento da economia nacional, da excelência dos políticos do país, e do carinho com o qual os brasileiros cuidavam da Amazônia, faria de tudo para desestabilizar o Brasil.

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