“Os Sertões”, de Euclides da Cunha
História

“Os Sertões”, de Euclides da Cunha

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O livro “Os sertões”, de Euclides da Cunha, foi publicado em 1902, e descreve, com precisão jornalística, a Guerra de Canudos, coberta pelo autor quando repórter no front de batalha a serviço do jornal ”O Estado de São Paulo”. A chamada guerra foi na verdade um conjunto de escaramuças da polícia da Bahia, em 1896 e 1897, derrotada duas vezes pelos jagunços de Antonio Conselheiro e duas expedições do exército brasileiro, derrotado na primeira e vitorioso na segunda, em fins de 1897. O principal personagem de todo este capítulo fascinante da história brasileira foi Antonio Mendes Maciel, depois conhecido como Antonio Conselheiro, nascido no Ceará, que, após vários desgostos em sua vida privada, saiu pelos sertões do Nordeste pregando a palavra de Deus.

Após conflitos com a Igreja estabelecida, e tido como contrário à recém instalada República, funda a vila de Belo Monte, também chamada de Canudos, no sertão baiano a 230 km a sudeste de Juazeiro. A poucos km dali, fica um lugar já famoso, Bendengó, por conta de um meteorito de cerca de 3 m de diâmetro, e cinco toneladas, ali encontrado em 1887, e levado para o Museu Nacional do Rio em 1888.

Já venerado e seguido por milhares de pobres sertanejos, Antonio Conselheiro foi denunciado pelos padres da região e pelas autoridades de Juazeiro como arruaceiro e monarquista. O primeiro embate se deu em Uauá (vaga-lume, em tupi), em fins de 1896, quando uma tropa da polícia baiana mandada de Juazeiro foi surpreendida pelos beatos do Conselheiro, e após uma batalha feroz, a polícia retirou-se deixando para trás 10 soldados e cerca de 150 sertanejos mortos. Alarmado com as dimensões do embate, o governo baiano logo organizou uma expedição de 200 homens da PM estadual à região, que contava também com canhões, metralhadoras e 250 soldados do exército.

O fracasso da expedição comandada pelo cel. Moreira César

O terreno difícil, a vegetação agressiva da caatinga, e falhas no suprimento de comida e munição conduziram a coluna a uma devastadora derrota perante os amotinados, em Janeiro de 1897. A supressão da revolta dos sertanejos passava agora a ser prioridade do governo da jovem república, que enviou o coronel Moreira César à Bahia, à frente de uma força de cerca de 1300 combatentes do exército.

A tropa seguiu de Salvador para Queimadas, cerca 300 km a Noroeste, de trem, em Fevereiro de 1897. Esta cidade ficaria duplamente famosa em 1929, quando foi invadida e saqueada pelo bando de Lampião. Dali, o destacamento teria que marchar cerca de 100 km sob o sol inclemente da caatinga, e através de uma vegetação agressiva, formada de árvores e arbustos espinhentos, e com frequência venenosos e urticantes, até Canudos.

Ao coronel Moreira César, de personalidade impulsiva, descontrolada, e acusado de esfaquear até a morte, pelas costas, um jornalista no Rio de Janeiro, os historiadores militares atribuem o fracasso e a derrota fragorosa da expedição. Partiu de Monte Santo, a 40 km de Canudos, antes do prazo estipulado para o planejamento do ataque, e sua ordem de atacar Canudos, três dias depois, no mesmo dia em que chegavam ao local, comandando uma tropa exausta por quilômetros de marcha através de terreno inóspito, foram erros fatais.

Em sua primeira carga contra os sertanejos, foi atingido por um tiro no abdômen, e morreu à noite. Os jagunços, armados pelos suprimentos deixados pelas expedições anteriores, atacaram de todos os lados, e logo seguiu-se a debandada da expedição acéfala. 

O governo federal resolveu então liquidar de vez a revolta, e reuniu cerca de 6 mil homens de batalhões do exército em vários estados, sob o comando do general Arthur Oscar Guimarães, e em junho de 1897 partiram de Salvador e Aracajú para cercar Canudos pelo Norte e Sul. Os combates foram atrozes, mas a superioridade numérica do exército, os canhões, o uso de dinamite e o ataque desferido em duas frentes enfraqueceu os defensores de Canudos, já exaustos e famintos pelos seguidos combates.

Antonio Conselheiro morreu durante os combates, em Setembro de 1897, com fortes diarreias, mas a luta seguiu até 5 de outubro, quando os últimos tiros foram dados. O último combate foi heroico. Numa trincheira com pouco mais de 1 metro de fundura, 4 sertanejos resistiram até a morte; um velho, dois homens e uma criança.

Minha visita ao local e o descaso ao heroísmo histórico

O autor desta coluna visitou o local nos anos 90, e embora Canudos esteja submersa no lago da represa de Cocorobó, foi possível sentar-se no Morro Pelado, de onde se tinha uma visão panorâmica da cidade, e sentir o silêncio tormentoso reinante. Logo, no entanto, o observador começa a ouvir os tiros, a gritaria dos combatentes, os tiros de canhão, e vislumbrar a coragem de Pajeú, o bravo sertanejo de boa pontaria e invencível com um sabre, e o heroísmo do capitão Salomão da Rocha, que defendeu até a última gota de sangue o canhão pelo qual era responsável.

O que dói, no entanto, é ver tanta bravura sem reconhecimento, tanto heroísmo sem admiração, tantas vidas perdidas sem reverência. O local é de difícil acesso, não há estrutura nenhuma para receber visitantes, o hotel mais próximo fica em Euclides da Cunha, antiga Kumbe, a 40 km de distância. Um monumento mixuruca marca o descaso do Brasil para com seus heróis e sua cultura.

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