
Religião e Ambiente
A vida dos primeiros hominídeos, há cerca de 3 milhões de anos atrás na África, deve ter sido um pesadelo constante. Acossados pela fome, por animais predadores, o frio, as tempestades, a presença talvez diária da morte de companheiros e crianças, nossos ancestrais tinham todos os dias a certeza de algo alentador; o nascimento do sol, com o seu calor, sua luz, e o renascer da vida por ele propiciado. A fascinação, a alegria e a veneração pelo astro rei, que trazia a esperança, logo virou adoração, o que explica a presença do sol e fenômenos naturais no início de quase todas as religiões do mundo. No Egito, Amon-Ra, o deus sol, era a autoridade suprema, e Ísis sua filha. Na religião hindu, Brama era o criador do universo, e os demais deuses eram como forças cósmicas incontroláveis, como Rudra, deus das tempestades e trovões.
Entre os antigos etíopes, Astar era o deus supremo, e era representado pelo planeta Vênus, que nasce antes dele. Entre os gregos, havia Hélio, o deus sol, Éter, dos ares e ventos, Gaia, a terra, e Chronos, que geria o tempo, entre tantos outros. No Brasil, os tupis-guaranis veneravam o deus Tupã, Iamandu, o deus trovão, e Jaci, a deusa lua. No candomblé, Iemanjá é a deusa mãe dos mares e lagos, Oxum é a deusa dos rios, e Iansã das tempestades.
Hélio Iemanjá
As plantas também exerciam enorme fascínio em nossos ancestrais, por sua importância em sua alimentação, por suas propriedades terapêuticas e, sem dúvidas, por sua beleza. Várias delas entraram no imaginário religioso de várias religiões, como Sylvanus, do credo romano-britânico, o deus das flores e florestas. Os astecas veneravam o agave, cuja seiva era contumazmente consumida, e que hoje é usada na fabricação da tequila. Os antigos africanos cultuavam o baobá, árvore gigantesca capaz de juntar 120.000 L de água em seu tronco. Na Amazônia, os indígenas adoram a sumaúma, árvore gigantesca, onde vive caapora, o protetor dos animais. O ipê-roxo é até hoje venerado pelos xamãs, que se sentam debaixo dele para meditar.
Baobás Sumaúma
O cristianismo também tem suas plantas veneráveis, pois na Bíblia são citadas a figueira, e a árvore da vida, supostamente a palmeira tamareira, que com seus frutos copiosos e doces sustentou por séculos as civilizações suméria, assíria e babilônica, no vale dos rios Tigre e Eufrates, hoje Iraque. Em Israel, foram recentemente encontradas sementes da tamareira da Judéia, congênere da que ainda ocorre no Iraque. Pesquisadores conseguiram fazer uma brotar, e o exemplar agora com 1,5 m, é a única representante da planta que cedeu as folhas que foram usadas para receber Jesus em Jerusalém há mais de 2.000 anos.
As consequências do crescimento demográfico e das riquezas globais para o atrito entre religiões e ambiente
No entanto, as coisas mudaram muito nos últimos séculos. Embora o planeta tenha 155 milhões de quilômetros quadrados de terra firme, incluídos aí desertos, geleiras e lugares impróprios à vida humana, a população da Terra cresceu de 500 milhões de pessoas em 1500 para cerca de 7,8 bilhões atualmente. A soma das riquezas produzidas no mundo naquele ano era de 250 bilhões de dólares, hoje é de 70 trilhões. O crescimento populacional, a educação institucionalizada, o crescimento da liberdade individual, a revolução científica, e a tecnologia que evolui constantemente trazem atritos crescentes entre as religiões e seus adeptos.
Poluição litorânea Desmatamento
Aos poucos, os cidadãos vão descobrindo que a pobreza, a doença, e principalmente a fome não são fatos inexoráveis ou frutos da ira dos deuses, mas da ignorância que começa em vários campos a ser debelada. Uma nova frente de preocupação se abriu perante todos nós; a questão ambiental, causada pela imensa demanda de bens e serviços trazida pela explosão da população e do aumento do consumo de pessoas ávidas por melhorar sua qualidade de vida, juntamente com a sobrecarga trazida por ela sobre os recursos do planeta.
Com ou sem aquecimento global, hoje cerca de 60.000 pessoas por dia no mundo são deslocadas por conta de alterações climáticas, cada vez mais evidentes. Este fato mais o surgimento da engenharia genética, e a crescente liberalidade na abordagem judicial de princípios religiosos antes inquestionáveis, como por exemplo a eutanásia assistida aprovada na Califórnia, impõe um novo relacionamento entre as diversas religiões e seus seguidores. A quebra de tabus ainda existentes, como o uso de preservativos e a pílula, a união afetiva entre gays, e uma nova abordagem mais participativa em relações aos problemas ambientais tornam-se cada vez mais concretos.
Explosão demográfica
Recentemente um exemplo muito elogiado foi dado pelo Papa, ele sugeriu que “as pessoas não precisam procriar como coelho”, o que mostra uma inédita preocupação com a explosão demográfica. Sua Santidade também pediu mais cuidado com o ambiente, o que certamente nos faz lembrar de S. Francisco de Assis. Outro vigoroso exemplo foi dado pelo Dalai Lama, há alguns anos durante uma entrevista, pois ele disse que ficaria envergonhado se algum de seus seguidores usassem peles de animais selvagens em suas vestimentas. Poucos dias depois, em várias cidades do Nepal, da Índia e do Tibete, enormes fogueiras começaram a surgir nas praças; eram pessoas queimando as peles que usavam. Este notável gesto salvou grandes quantidades de tigres, leopardos-da-neve, raposas e outros animais já raros na região.
Em Governador Valadares, se autoridades de todas as religiões existentes na cidade iniciassem uma campanha pedindo a seus fiéis que separassem o lixo reciclável do comum, economizar água e energia, preservar a fauna e a flora, e outros hábitos sustentáveis, a cidade ficaria muito mais limpa e civilizada. É muito grande, e infelizmente pouco aproveitado, o potencial motivador que as grandes religiões têm sobre seus seguidores.
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